terça-feira, 11 de julho de 2017

ELOGIO DO RUGBY

Homenagem a um jogo formidável
Como é que se define um jogo como este 3º teste entre All Blacks e Lions? Notável, foi. De tirar a respiração, também. De exigir revisões, pela certa! Técnicas, estratégicas, tácticas, regulamentares - um tratado de estudos.
A primeira e enorme impressão é esta: a principal preocupação estrutural de qualquer das equipas é que os seus jogadores cumpram os Princípios Fundamentais do Jogo: Avançar Sempre!, Apoiar, Continuar e Pressionar. E fazê-lo em cada momento do jogo sem hesitações para garantir coesão e organização colectiva. E o jogo faz-se, correndo riscos para procurar uma diferença através do movimento global com cada jogador a saber - porque ensinado - jogar de acordo com a posição em que foi apanhado e atacando os pontos fracos do que pode ler na defesa que se encontra na sua frente. Ou seja: Menos preocupados em reger-se por uma estrutura trazida do balneário qualquer das equipas confiou nas suas capacidades técnicas e conhecimentos tácticos para poder surpreender o adversário. E se esse factor era mais favorável aos All Blacks por maior coesão da equipa conseguida pelo melhor conhecimento mútuo dos seus jogadores, a adesão dos Lions ao conceito possibilitou o interessante jogo que vimos. Na óbvia esperança que a moda pegue... e possamos ver mais jogos "abertos".
Quer em ataque, quer em defesa, o cortar o espaço disponível para levar ao erro foi uma constante. Que houve muitos erros? Claro, porque a intensidade do jogo e a pressão, a cortar tempo e espaço, a isso levaram. Mas não porque os actores fossem de fraco nível.
Em ataque, cada vez que o portador da bola não se aproximava o suficiente para fixar o defensor - caso de Owen Farrell em algumas vezes da 1ª parte - a defesa deslizava e liquidava a vantagem numérica obtida até então. Ou seja: quem não agisse de acordo com os cânones era imediatamente suplantado pelo adversário, num jogo a exigir o máximo de qualquer dos notáveis jogadores presentes. Jogo a ver e rever, a retirar foto a foto, como demonstração do que se deve fazer, como lição táctica constante.
O jogo ao pé, excepção para os pontapés aos postes de Beauden Barrett, foi espectacular ao constituir uma permanente arma de ataque, criando constantes problemas aos defensores, nomeadamente com o passe ao pé do mesmo Barrett - aposto que treinado nas brincadeiras dos jardins de casa - para o seu irmão Jordie que, qual jogador de vólei, passou a bola para a corrida de Ngani Laumape. Mas o jogo ao pé do formação Connor Murray foi também de enorme categoria na acuidade e temporização e o de Farrell de uma precisão superior. Aliás Warren Gatland avisou desde o início da digressão que a qualidade de jogo ao pé - quer colocado quer “da mão” - era uma das armas diferenciadoras da sua equipa. E viu-se… 
Um empate é sempre um resultado que não agrada aos gregos e troianos que participaram - como jogadores ou espectadores - no jogo. Mas este empate não fica mal e resulta das capacidades equilibradas de cada equipa. Um empate significa equilíbrio e esse equilíbrio nota-se desde logo na constituição física - o índice de compacticidade - dos jogadores presentes.

Deste equilíbrio físico, resultou o equilíbrio do jogo.
A posse da bola dividiu-se com 51% para os AllBlacks e 49% para os Lions enquanto que no domínio territorial os neszelandeses dominaram com 56% para acabarem no final com 2 ensaios marcados enquanto que os Lions apenas conseguiram marcar através de pontapés de penalidade (4 de Owen Farrell e um, portentoso de mais de 50 metros de Elliot Daly). 
Esse equilíbrio mostrou-se também nas placagens efectuadas - 110 para os All-Blacks (86%) e 106 para os Lions (84%) - ou nos passes conseguidos - 148 neozelandeses contra 142 dos Lions - ou pontapés realizados (21 contra 23) mas onde os All-Blacks se mostraram superiores foi nas variáveis estatisticas que constroem o resultado: 9 rupturas (a sua média habitual) contra apenas 2 dos Lions; 430 metros percorridos com bola  (aproximando-se da sua média de 490 metros) correspondentes, em média a 3,9 metros por corrida e a 4 metros por bola disponível contra 350 metros dos Lions a que corresponderam 2,9 metros por corrida e a 3,4 metros por bola disponível. A ultrapassagem da Linha de Vantagem foi feita em 47% das bolas disponíveis por parte dos All Blacks e em 41% das bolas disponíveis por parte dos Lions - o que dá uma boa ideia do comportamento defensivo de ambas as equipas.
Vencendo todas as Formações Ordenadas e Alinhamentos da sua responsabilidade, os All-Blacks igualaram nos Rucks e viram-se ultrapassados pelos Lions nos turnovers (7-4) e offloads (8-6) e principalmente nas penalidades concedidas com 9 contra 5, dando assim a possibilidade aos Lions de construir o empate.  
Embora com o resultado sempre muito próximo com uma diferença máxima de 6 pontos, o jogo exigiu muito das defesas para se imporem ao domínio de jogo adversário.Nos primeiros dez minutos o domínio do jogo (ocupação de território, posse da bola, metros conquistados e combinações atacantes do meio-campo adversário) pertenceu aos All-Blacks para, apesar de um equilíbrio mais conseguido, continuarem a dominar durante a 1ª parte. Na 2ª e á medida que o tempo avançava, os Lions conseguiram dominar as operações para se verem completamente dominados nos últimos 15 minutos mas conseguindo ainda uma penalidade quase sobre o meio-campo que permitiu os 15-15.
E no pontapé de recomeço…

CASCATA DE FALTAS? 
O árbitro francês, Romain Poite, decidiu, depois de um intervalo para ver imagens e ouvir o auxiliar do dia Jerôme Garcés, considerar um “fora-de-jogo acidental” (Lei 11.6 - sanção: formação ordenada) a Ken Owens naquilo que havia considerado primeiramente como “fora-de-jogo depois de um toque-para-diante” (Lei 11.7 - sanção: penalidade). A sessão teve reunião de capitães e está ainda em discussão mundial. Mas, muito provavelmente, o árbitro francês ficou-se pelo aspecto menos relevante de uma situação mais ampla. Tudo começou no pontapé-de-recomeço após o empate. Eis a sequência:
  1. Beauden Barrett chuta o pontapé-de-ressalto e Kieran Read é o primeiro neozelandês a entrada na zona dos 10 metros situação que deveria ser analisada de acordo com a Lei 13.3 - Posição dos companheiros do chutador num pontapé-de-saída. Considerada faltosa esta situação obrigaria a uma formação-ordenada no centro do terreno com introdução favorável aos Lions;
  2. Kieran Read salta com um braço estendido para a bola e derruba Liam Williams que, no ar, procurava encaixar a bola devendo ser a situação analisada através da Lei 10.4 (i) - Placar o saltador no ar - que, em caso de movimento ser considerado em falta, seria punível com pontapé de penalidade favorável aos Lions;
  3. Ressaltando a bola de Williams, encontra Ken Owens, pilar Lions, que a toca e larga de imediato. Duas questões nesta situação: houve “toque-para-diante” de Williams e estava Owens à frente de Williams quando recebeu a bola em situação de impedir um adversário de tirar vantagem (Lei 11.7 - Fora-de-jogo após um toque-para-diante. Sanção: penalidade) ou Owen não poderia impedir que a bola lhe tocasse e seria “fora-de-jogo acidental” (Lei 11.6 - Fora-de-jogo acidental; sanção: formação-ordenada)?
  4. A bola, largada para o chão por Owen é apanhada pelo centro neozelandês Lienert-Brown que fica em condições de a jogar e cria uma situação de grande vantagem (Lei 8 - Lei da Vantagem) para os All Blacks - poderia acabar em ensaio.
O que viu Poite, o que não viu, que falta marcou e o que devia ter marcado?
Houve ou não falta?
Não considerando qualquer falta de Read no pontapé-de-recomeço e considerando - como pareceu ouvir-se - que o seu salto e empurrão sobre Williams foi legal, restava a Poite analisar a trajectória da bola deixada por Williams.
E se as situações anteriores não foram considerados por Poite, a sua interpretação final, que o leva, em primeiro momento, a considerar penalidade favorável aos neozelandeses e, dada a posição no terreno, a favorecer a vitória dos All Blacks neste 3º e último teste de tira-teimas, foi errada. Tomando a nuvem por Juno, Romain Poite preocupou-se com o pormenor e esqueceu a visão geral do lance. De facto o árbitro francês teve mais em consideração o ponto de queda de Liam Williams - empurrado uns metros por Read - do que a trajectória da bola que, no fundo, deve ser o que conta para o ajuizar da situação. 
Sendo verdade que Ken Owens se encontrava à frente - mais próximo da linha-de-ensaio adversária - de Williams mas também é um facto que um jogador - como tantas vezes acontece em situações de jogo - em fora-de-jogo pode vir a apanhar uma bola se a sua trajectória não resultar de um adiantado ou de toque-para-diante. Foi o que aconteceu: a bola vinda de Williams não constitui um adiantado ou toque-para-diante e Owens não terá cometido qualquer falta acidental ou não. O que resta para marcar?
Nada! Deixar seguir o jogo e porque não houve qualquer falta dos jogadores dos Lions, ver o que faria o jogador neozelandês que ficou com posse da bola e em situação de óbvia vantagem. 
Se não se tivesse precipitado - cansaço de um jogo muito intenso? - Poite apenas teria que decidir sobre uma de duas coisas: falta no ar do capitão neozelandês ou continuação do jogo?
Esta Lei 11.6 já tinha demonstrado a sua ambiguidade no caso Jobert do Austrália-Escócia do Mundial 2015. Muito se falou mas nada se modificou. Talvez agora tenhamos mais sorte e haja uma clarificação por parte da World Rugby. Que aliás deve analisar uma outra situação: a validade da placagem - caso Famuina no 2º teste - a um jogador no ar por ter saltado para apanhar um passe de um companheiro (quando se corre em boa velocidade há alturas em que os dois pés estão no ar em simultâneo, posso placar?).
Esta digressão de 2017 foi extraordinária - 5 vitórias, 3 derrotas e 2 empates - e deixará uma marca na história dos British and Irish Lions que representam, desde 1888, o melhor que o rugby tem. Formado por jogadores de 4 países diferentes que escolheram o galês Jonathan Davies como o melhor jogador da digressão e que, representando culturas diferentes com histórias passadas desavindas, com processos desportivos e rugbísticos distintos e que têm apenas de comum a língua inglesa, conseguem, em muito pouco tempo, formar uma equipa com a coesão suficiente para que cada um se bata como se estivesse a jogar pelo seu próprio país e poder defrontar os triplos campeões do Mundo. Com pouco tempo conjunto esta coesão só pode dever-se ao elevadíssimo prestígio da instituição que leva os jogadores, por orgulho e sentido de responsabilidade histórica, a demonstrarem de forma evidente a capacidade de integração demonstrativa do Desporto e definir o padrão do One for All que os caracteriza.

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores