terça-feira, 17 de junho de 2014

AS MENINAS DO RUGBY PORTUGUÊS


Brive, 2014 - Foto de Carlos Febrero
O sexto lugar no Europeu feminino de Sevens da equipa de Portugal, depois de duas etapas com classificação de quarto e sexto, é um excelente resultado. Mais ainda se pensarmos o que significa uma sexta posição num universo competitivo de 36 países europeus conseguido por uma equipa de um país competitivamente pouco brilhante em modalidades colectivas em geral e muito menos ainda no particular do desporto feminino colectivo. Ou seja: as meninas do rugby português demonstraram capacidades comparativas notáveis no deserto do sistema desportivo onde vivem e onde o feminino não corresponde ao conceito de Igualdade de Género.
E, é sempre bom lembrá-lo, neste campeonato europeu para além da França e de três das quatro equipas britânicas - a Escócia joga na segunda divisão europeia -  onde por razões culturais qualquer mulher conhece o jogo de rugby desde que nasceu, competem países que, embora periféricos ao centro cultural da modalidade, têm um desporto feminino suficientemente desenvolvido para apresentarem as mais diversas equipas nos Jogos Olímpicos.
Conseguiram ainda um feito importante: subiram três lugares da época passada para esta!
Mais interessante ainda são as qualidades, técnicas e tácticas, demonstradas nos jogos de Moscovo e de Brive. E que proporcionaram saborosas vitórias como com a França - vencedora da etapa em Brive - a Irlanda, a Itália ou a Bélgica. E derrotas sem desistência da luta, dignas, sem entrega.
As meninas do rugby português mostraram uma característica essencial para o seu progresso e para que valha a pena apostar nelas: paixão. De facto em cada momento, com ou sem bola, percebia-se o gozo de estar ali, de estar a jogar. Em cada placagem percebia-se a preocupação de recuperação da bola; em cada utilização da bola percebia-se a preocupação de verticalização de linhas-de-corrida para atacar intervalos; em cada transporte de bola percebia-se a confiança no apoio companheiro que chegaria no tempo justo. Risco, confiança, determinação.
Falhas? Claro, porque se não as houvesse os resultados seriam - óbvio! - ainda melhores.
O primeiro problema tem a ver com a dificuldade de encontrar jogadoras com rapidez comparável ás adversárias - faça-se a comparação com os recordes femininos de 100, 200 ou 400 metros planos para perceber a dificuldade - o que exige jogar de forma mais próxima com mais dobras e mais movimento e, portanto, um pouco fora do conceito generalizado - preocupação maior das equipas profissionais (as únicas) da Rússia e da Holanda - de seis a abrirem caminho para a sprinter. E com uma maior necessidade de prolongar cada fase. Movimento, disponibilidade, velocidade de bola e resistência.
E no dia em que a qualidade do passe, a sua rapidez e precisão, melhorarem o suficiente para que a subida da defesa seja mais problemática para quem pressiona do que para quem usa a bola, a capacidade já demonstrada de atacar intervalos tornar-se-á uma terrível arma de ataque. Passes justos, dobras e alteração de ângulos das linhas de corrida podem caracterizar o jogo desta equipa se lhe for dada a oportunidade de treinar capazmente.
Se a falta de jogadoras com a rapidez que permita estabelecer a diferença após cada manobra de criação de espaço é um problema, a falta de competitividade das competições internas torna as dificuldades maiores uma vez que não permite a adaptação às formas mais adequadas para a eficácia internacional. 
E talvez por essa falta de competitividade interna é que as jogadoras cometem faltas em demasia - o grande ponto negativo da prestação nestes dois fins-de-semana - perdendo bola e terreno e sendo, muitas vezes, obrigadas a esforços suplementares, demasiados e desnecessários.
Mas as meninas - e sou, orgulhosamente, padrinho desportivo de duas delas - proporcionaram belíssimos momentos de rugby - quem viu, pela qualidade e pelo desplante e para lembrar um exemplo, não esquecerá o pontapé-de-ressalto da Daniela Correia, a Deolinda, de 28/30 metros com que Portugal venceu a França por 8-7. Ou a vontade com que perseguiam bolas ou adversárias. Ou a inteligência como ganhavam tempo nos alinhamentos que provocavam. 
Ou como placavam. Ou como se apoiavam para criar um colectivo superior à mera soma de cada uma delas.
As meninas do rugby português estão de parabéns e merecem que se encontrem condições que lhes possam proporcionar o desenvolvimento necessário para que se apresentem - daqui a um ano - no seu limite de capacidades no Europeu de 2015 onde se jogarão as qualificações para os Jogos Olímpicos do Rio 2016. A base existe e vale a pena.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

DESVENTURAS DOS PEQUENOTES

Há pouco tempo li, no jornal francês de referência rugbística "Midi Olympique", um artigo de página inteira - o jornal é editado em formato standart -  e onde se analisava o resultado de uma nova Lei do Jogo que tinha já alguns meses (início da época?) de aplicação.
O artigo escrevia sobre uma alteração à duração das linhas de fora-de-jogo nos rucks. A nova Lei de Jogo determina que as linhas de fora-de-jogo se mantêm até que um jogador (na maioria dos casos, mas não necessariamente, o médio-de-formação) levante a bola do chão e não, como até aí, quando tocasse na bola. Esta transformação traz implicações: atrasa a saída da defesa, aumentando o tempo disponível para o "abertura" atacante e exige um "formação" mais passador - rápido no passe - do que corredor. E aquele já usual passo atrás dado para ganhar espaço e tempo aos defensores deixa de ser necessário, podendo jogar-se mais próximo da "linha de vantagem", diminuindo as vantagens da defesa e dando mais hipóteses ao ataque. Daí que deixe de ter a importância que já teve a dimensão física e capacidade de choque e haja de novo, concluía o artigo, uma aproximação ao "formação" clássico.
Apesar de ser claro que assim já se jogava no campeonato francês achei estranho não ter conhecimento de nenhuma alteração das Leis do Jogo sobre esta matéria. Estranho, pensei - como é que deixei escapar uma alteração destas? Procurei saber, na Federação, se havia recepção desta alteração e como tinham feito a comunicação a treinadores e a clubes. Tudo vasculhado, mails, pastas em computadores, memórias de cada um: nada! Não havia conhecimento de qualquer alteração.
Com cópia do artigo do jornal francês perguntou-se à IRB: que significado tinha "aquilo" se nós, rugby português, não sabíamos de nada? A resposta chegou dias depois: que sim, que tinha havido alteração e que, nos próximos tempos, iriam colocá-la no site oficial da IRB. Nos próximos tempos?! Quer dizer: sem qualquer respeito, o órgão responsável pelo rugby mundial tinha decidido uma alteração - com influências óbvias no desenvolvimento do jogo - que não tinha comunicado a todos os membros que constituem o corpo que comanda. Ou seja, comunicaram apenas, presumo, aos da "casa" - os 10 mais - e não quiseram - numa característica atitude dos tempos imperiais - saber da centena dos outros. É aquilo que se pode chamar de preocupação pelos vital few e ignorância dos trivial many.
No recente Europeu de Sevens de Sub-19 um árbitro internacional português interpretou correctamente uma situação passada em campo: pontapé de 22 que, provavelmente pelo muito vento, acabou por sair pela "linha de fundo" do outro lado da campo. Como manda o Art.º 13.15 BOLA PONTAPEADA PARA A ÁREA DE ENSAIO NO “PONTAPÉ DE 22” na sua alínea:
(b) - Se a equipa adversária faz um toque-de-meta, faz com que a bola fique morta, ou esta fica morta por tocar ou atravessar a linha lateral de ensaio ou a linha de fundo, aquela equipa tem duas opções à sua escolha:
- pedir uma formação ordenada no centro da linha de 22 metros de onde foi executado o pontapé, beneficiando da introdução; ou
- mandar repetir o "pontapé de 22".      
Após pergunta e decisão do capitão de equipa não executora, o árbitro decidiu em conformidade: formação-ordenada sobre a linha de 22 onde tinha sido realizado o pontapé com introdução para a equipa que não tinha dado o pontapé.
Para espanto de todos, o árbitro levou uma reprimenda do elemento da FIRA responsável pela arbitragem do Torneio porque tinha cometido um erro infantil. Que não! Foi-lhe dito e mostrado. Que sim e não havia mais discussão!, impôs. Perguntámos a quem de direito e temos a absoluta certeza que o árbitro português interpretou bem a situação e que apitou segundo as regras. Mas o presunçoso dirigente - foi ele que definiu que o "nosso"  Roham Hoffman - hoje árbitro profissional do Super XV - não teria qualquer hipótese de vir a ser árbitro capaz...- continuou, num claro abuso de poder, a considerar erro, ignorando a evidência das Leis do Jogo.
Vivemos assim entre abusos a que ninguém parece querer pôr cobro e falhas de transparência que permitem a decisão arbitrária ao sabor de interesses que também ninguém parece querer desmontar. Sempre em prejuízo dos pequenotes que parecem destinados a figurantes de corpo de baile.
Veja-se outro exemplo: as "meninas" do rugby português, depois de um excelente 4º lugar na 1ª etapa do Europeu de Sevens, preparam-se para jogar a 2ª etapa em Brive com hipóteses de luta pelo apuramento para o World Series feminino. Mas, espantosamente, não é ainda do conhecimento geral quais os critérios de classificação que serão utilizados: oficialmente, no seu site, a FIRA nada diz. Mas pior, existem informações contraditórias: que estão três equipas já apuradas para o Qualifier de Setembro e que duas outras ainda se podem qualificar; que estão três qualificadas já para o World Series feminino e que duas outras irão poder qualificar-se enquanto que as duas equipas seguintes serão apuradas para o Qualifier de Setembro. Ou seja: numa versão, serão cinco equipas europeias a disputar o Qualifier de acesso ao World Series; na outra serão cinco as equipas europeias que se classificarão para o Women World Series e duas outras que disputarão o Qualifier... Substancialmente diferente, não? Em que ficamos? E quando o saberemos? No final do torneio?
Como se não bastasse o rugby ser um jogo complexo e exigente ainda é preciso encontrar capacidades para conseguir ultrapassar as prepotências que o alto da burra, onde se sentam funcionários dos organismos internacionais, permite.
A versão filhos e enteados exige aos pequenotes um esforço superior para chegar aos ambicionados níveis mais elevados. Vale-nos o tremendo gosto pelo jogo.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

DEFICIÊNCIAS DO JOGO PORTUGUÊS

As duas finais das categorias da Divisão de Honra e de Sub-23 - a primeira plena de internacionais, a segunda com bastantes futuros internacionais - fecharam bem a época 2013-2014 de rugby de XV. Foram dois jogos interessantes com resultados finais de acordo com o que se passou no campo. 
Mas em ambos os jogos ressaltaram as actuais carências do jogo português. Começando logo por se verificar, na final maior e apesar de uma intensidade de jogo muito razoável com placagens capazes e duras e com difíceis tentativas de conquista de terreno, pouca continuidade das acções do jogo que tiveram intervalos de paragem que retiraram ritmo e permitiram demasiadas recuperações aos intervenientes. O que significa que a intensidade que se verificou foi separada por enormes intervalos de recuperação. Facilitando a vida aos jogadores e reduzindo o esforço necessário e colocando estas sequências em traço-ponto a uma enorme distância daquilo que é exigível no nível internacional e que, pelo hábito, acaba por se transformar numa incapacidade sempre que defrontamos adversários estrangeiros.
Pôde ver-se ainda e em qualquer destes jogos de finais a dificuldade que as linhas atrasadas têm para atacar a "linha de vantagem". Jogando parados à espera que a bola lhes chegue às mãos para arrancarem depois, os jogadores dão todas as vantagens à defesa. E se, no jogo mais importante, houve por parte dos cdulistas uma maior capacidade de ataque à defesa - apesar de muito afastado da "linha de vantagem", Pedro Cabral é ainda o único abertura português que procura interpretar eficazmente o conceito. E o problema maior é este: o angulo de passe formação/abertura é demasiado aberto para que o abertura possa receber a bola lançado e assim, para além de colocar dúvidas à defesa, poder fixar os homens da terceira-linha defensora que, desta maneira, terão maiores dificuldades em participar na defesa do meio-campo, libertando assim espaços no terreno.
Se o passe do formação não for feito num ângulo reduzido em relação à sua posição inicial todas as combinações executadas serão feitas longe da "linha de vantagem", quer a uma distância que permite o deslizamento dos defensores para tapar os espaços, quer dando a possibilidade da defesa invadir o campo atacante, diminuindo as hipóteses do apoio atacante ao cortar linhas de passe. Ou seja, a forma como se desenrola táctica e geralmente o jogo português favorece sempre, pela incapacidade de conquistar a "linha de vantagem", a defesa. Nomeadamente porque as combinações em que se utilizam ao lado do abertura um/dois jogadores como "chamarizes" para jogar com uma segunda linha atacante - espécie de moda internacional - não criam qualquer problema aos defensores por não fixarem ninguém: o segredo da eficácia destas combinações está no facto de a bola ser jogada por jogadores que, lançados e em movimento antes da recepção da bola, fixam defensores e, por isso, criam superioridades numéricas e/ou aumento de espaço livre. Esta incapacidade de ataque eficaz à "linha de vantagem" e de recepção da bola por atacantes lançados numa quase corrida de estafetas - isto é, o receptor recebe a bola praticamente na linha do passador - é, infelizmente, quase uma marca do jogo português. Passar na linha e receber lançado é o primeiro passo para poder atacar intervalos - pelo portador ou por um outro jogador em apoio. O que exigirá também capacidade de passe em tempo, trajectória e distância úteis. Particularidades exigentes mas que pagam dividendos, nomeadamente uma boa capacidade de passe longo, tenso e com a velocidade suficiente que ultrapasse a velocidade da corrida de adversários.
O apoio é decisivo na continuidade do movimento e raramente é bem executado no jogo português. Para o que se detecta uma razão principal: o não considerar o portador da bola como o líder temporário do movimento, marcando o sentido, a direcção e a distância dos apoios organizados em laterais e axiais - com esse losango a portar-se como um bando de estorninhos capazes de responder à mínima alteração de movimento ou direcção. O que exige que os jogadores em apoio estejam disponíveis para abrirem "linhas de passe" quer aproximando-se do portador, quer atrasando o seu posicionamento, isto é: que estejam disponíveis para facilitar a vida ao portador da bola - o único dos trinta jogadores que pode ser agarrado, placado ou derrubado e que, por isso, merece atenção especial. De uns e de outros, de adversários e de companheiros. Esta deficiência do posicionamento em apoio em tempo útil e que traduz dificuldades na compreensão colectiva do jogo, não permite eficácia ao jogo português e, nestas finais, não faltaram exemplos de situações desperdiçadas por estas mesmas razões. 
Se a estas deficiências juntarmos a habitual dificuldade de fazer do jogo-ao-pé uma arma de conquista de terreno e de criação de problemas à defesa, atingindo espaços vazios e obrigando ao recuo de defensores, teremos uma boa panóplia de objectivos a alterar no treino e formação de jogadores. Treinando de acordo com as necessidades e definindo os objectivos e metas a atingir. Porque, como diz o titulo do recente livro de Jorge Araújo, "Tudo se treina". E a questão que se coloca ao jogo português é garantir o treino dos aspectos técnicos e tácticos que, transformando, o tornem eficaz de acordo com as características e capacidades dos jogadores portugueses.

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