sexta-feira, 26 de outubro de 2012

PLACAGEM E RUCK

Há tempos Pierre Villepreux alertava para o facto que se estava a ver, nomeadamente em jogos do campeonato francês, demasiados falsos rucks - ou seja, momentos de formação expontânea, normalmente após situações de placagem, que não se enquadram nas Leis do Jogo - que, no entanto, os árbitros vão considerando como se definissem linhas de fora-de-jogo, como se o "jogo corrente" tivesse terminado e "obrigando" à divisão estratégica dos campos.

Dias depois pude ver um jogo televisivo da Currie Cup onde os falsos rucks foram uma constante: 4/5 jogadores da equipa portadora da bola a "cobrir" o jogador placado sem que exista qualquer contacto entre jogadores adversários. E a lei é clara:
Lei 16. Definições: Um ruck é uma fase do jogo em que um ou mais jogadores de cada equipa que, não estando no chão, estão em contacto físico e a rodear cerradamente a bola que está no chão. Quando tem lugar um ruck o jogo corrente termina."
Existe portanto uma simultaneidade de três acções: bola no chão, jogadores adversários em contacto e a "cobrir" a bola e sem estarem no chão (cf. Lei 15.6 (a)). Sem o seu cumprimento simultâneo não haverá qualquer paragem no "jogo corrente": não há ruck.

A maior parte das vezes o ruck acontece após uma placagem, mas uma placagem não constitui por si um ruck nem tão pouco define linhas de fora-de-jogo. Apenas exige que os jogadores - com excepção do placador que, logo que em pé, pode jogar a bola vindo de qulquer direcção - que pretendam disputar a bola não estejam no chão e "entrem" pelo lado do seu campo. E só a partir do momento que haja um ruck formado é que a entrada dos jogadores em apoio se terá de fazer através da "porta" definida pela linha dos pés do "último jogador" - a linha de fora-de-jogo - e pela largura da formação. Para que não seja em falta esta entrada exige, no entanto, ligação imediata a um companheiro.


É portanto uma área - a placagem, o pós-placagem e o ruck - de muito difícil arbitragem e cujo análise depende de um excelente "golpe de vista" e muita presença de espírito.

E é, claro, uma área muito polémica. Que está a mostrar-se em jornais e blogues da área anglo-saxónica com muito boas análises mas também - poderia lá ser de outra maneira - com a habitual polémica McCaw vilão/ McCaw herói.

Factos, factos, são estes: McCaw pode fazer - faz com certeza - faltas nesta área da pós-placagem onde é normalmente o primeiro apoio; mas - e por isso é o notável jogador que reconhecemos - a sua capacidade de leitura de jogo e antecipação (veja-se a exemplaridade das suas linhas de corrida) permitem-lhe chegar antes da realização do ruck. E aí não há entradas de lado ou obrigação de se ligar a um companheiro, apenas a necessidade de entrar pelo lado do seu campo. Ou seja: não há qualquer falta na maioria das entradas de McCaw - a fama é mais por "dor de cotovelo" do que pelo abuso ou complacência dos árbitros.

Mas lá que estes centésimos de segundo são difíceis de arbitrar, são. E a tomada de decisão dos jogadores - vou à bola ou "limpo a vitrina"?; posso "entrar" ou tenho que procurar a "porta"? - também não é simples na pressão do momento e deve ser convenientemente treinada.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O COSTUME E O CONTEXTO

No último África do Sul-Austrália do Four Nations os últimos minutos foram jogados com formações-ordenadas sem oposição. O árbitro, o irlandês Alain Rolland, considerou que, tendo já havido sete substituições, não poderia haver nenhuma mais. Mesmo tratando-se de uma substituição de um jogador da primeira-linha.

A IRB veio posteriormente, embora disfarçando ao nomear a equipa de arbitragem, considerar que o árbitro - um dos mais categorizados internacionalmente - se tinha equivocado e que deveria ter aplicado a Excepção 2 da Lei 3.12 e não a Lei 3.4 como referiu, argumentando com a já realização de sete substituições.

Fazendo sentido que seja como afirma a IRB - o espírito do jogo está em coerência com esta interpretação - não me parece que a letra da lei permita a sua aplicação. E penso portanto que o árbitro Rollands tinha razão na decisão que tomou.

O sucedido tem muito a ver com um problema tradicional do rugby: sendo um jogo dominado pelo espírito anglo-saxónico e pelo seu tradicional fundamento no costume, cria enormes problemas a quem tem que reger o jogo pela interpretação integrada das leis. Sempre tive discussões com britânicos - árbitros ou antigos jogadores (a mais recente foi com Bill Beaumont) - na interpretação das situações de jogo: aquilo é falta, dizem; pois, mas não é isso que dizem as Leis do Jogo, respondo - e, quantas vezes, mostrando, no telemóvel, as leis em versão inglesa.

Existe um óbvio problema nas interpretações e no encontro de duas culturas que têm prismas diferentes de analisar o mundo. E, com a tradição anglo-saxónica que a reveste, a IRB tem uma enorme dificuldade em lidar com a globalização da modalidade: esquecendo que o Outro - que não conhece o rugby desde os finais do século dezanove - só pode compreender o jogo e as suas leis pela clareza da sua exposição e articulação.

É a Lei 3 - já de si de redacção bastante confusa - que se aplica no caso vertente. E o seu ponto 3.4 diz que, sendo o limite de sete jogadores substitutos/suplentes, uma equipa pode substituir dois jogadores da primeira-linha e cinco dos restantes - e a única excepção que preconiza, 3.14, não tem interesse para o caso. Continuámos assim no domínio do número sete para substituições.

Diz a IRB que deveria ter sido aplicada a Excepção 2 do ponto 3.12. Não percebo bem como. Nem a Lei 3.12, nem a Excepção 2 excepcionam o limite da substituição de sete jogadores estabelecido no ponto 3.4. E como para nós - continental poor fellows - o articulado não deve ser interpretado desincerido do seu contexto, a interpretação da IRB parece, julgo mesmo que será, abusiva. Porque a IRB valeu-se de um conceito não escrito e com ele fez regra. Impondo o seu poder. E desvalorizando a decisão de um árbitro capaz.

Porque não alterando a redacção do ponto 3.4, a única interpretação possível no contexto da Lei 3 - Número de Jogadores - A Equipa é a de que podem, tratando-se de primeiras-linhas e quando lesionados, ser substituídos por jogadores já anteriormente substituídos por razões tácticas até ao total dos dois referidos como limite - a Clarification 5-2009 sobre esta matéria nada acrescenta.

Com este comunicado da IRB fica a perceber-se que entendem como possível a existência, no somatório de três tácticas e mais três por lesão, de seis substituições na primeira-linha. Será? Mas onde está escrito que o limite de substituições na primeira-linha pode ser superior ás duas que a Lei 3.4 limita ou ás três que a Lei 3.14 permite quando houver 23 jogadores? Onde está a coerência do articulado?

Não faltam - basta ler as Clarifications in Law - zonas cinzentas nas Leis do Jogo. Demasiadas até para a pretendida extensão do jogo de XV. Umas serão assim, porque a tradição do hábito faz delas uma prática interpretativa que julgam não obrigar á sua passagem a escrita clara e articulada; outras, porque parecem ser escritas por diferentes pessoas que nunca se encontraram para juntar as partes. Em qualquer das situações salva-se o jogo pela imposição da tradição interpretativa que permite guardar no bolso o livro das Leis do Jogo e viver do costume. Até que a globalização do jogo e o seu crescimento exijam a abertura da quinta à transparência universal. Popularizando a extensão da percepção do jogo pela simplicidade das suas regras a populações de cultura não britânica.


Lei 3 - NÚMERO DE JOGADORES: A EQUIPA
Definições
[…]
Substituto: um jogador que substitui um companheiro de equipa lesionado.
Suplente: um jogador que substitui um companheiro de equipa por opção táctica

Lei 3.4 JOGADORES NOMEADOS COMO SUBSTITUTOS/SUPLENTES
Em jogos internacionais uma Federação pode designar até sete substitutos/suplentes
[...]
Uma equipa pode substituir até dois jogadores da primeira-linha (subordinado à Lei 3.14 em que podem ser três) e até cinco dos outros jogadores. As substituições só podem fazer-se quando a bola estiver morta e com autorização do árbitro.

Lei 3.12 JOGADORES SUBSTITUÍDOS QUE VOLTAM AO JOGO
(a) se um jogador é substituído, esse jogador não pode voltar ao jogo, nem mesmo para substituir um jogador lesionado.
Excepção 1: um jogador que tenha sido substituído por razões tácticas pode substituir um jogador com uma ferida aberta ou sangrenta.
Excepção 2: um jogador que tenha sido substituído por razões tácticas pode substituir um jogador da primeira-linha lesionado, suspenso temporariamente ou expulso, excepto se o árbitro, antes da situação que provocou a saída de campo do referido primeira-linha, tiver ordenado formações-ordenadas sem oposição e a sua equipa tiver já utilizado todos os seus substitutos e suplentes autorizados.
(b) [...]


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

QUE SE PASSA?

Os resultados conseguidos pela selecção nacional de sevens no recente torneio do Quénia terão constituído um visível aviso - a coisa não se mostrava no melhor dos caminhos.

A prestação no World Series australiano - com derrota nos cinco jogos - mostrou que o anterior aviso pode avançar, caso não haja a necessária transformação, para uma ameaça insuperável e indesejável.

Portugal defendeu mal - quer na readaptação colectiva, quer na placagem individual. As falhas de placagem, para além - de acordo com a distância da visão televisiva - da falta de atitude conquistadora adequada, pareceram-me assentar muito na distância demasiado grande entre os apoios dos defensores portugueses e os apoios do adversário portador da bola, anulando eficácia ao gesto e facilitando assim a continuação do movimento adversário. Ou em preocupações tácticas de manter o adversário de pé - erradas na relação homem-a-homem e só adequadas com superioridade defensiva de um tackling gang - para tentar a posse da bola por intervenção do árbitro.

E se as questões defensivas são problemáticas, mais preocupante - porque as questões defensivas ainda são de razoável solução - foi a enorme inoperância atacante como o demonstram os três jogos em que Portugal não marcou um único ponto. O que se passa? O que está por trás desta incapacidade de utilização da bola, das decisões erradas, do atraso no apoio, dos passes lentos e sem acutilância?

Numa época que terminará no campeonato do Mundo da variante, a presença do se7e de Portugal na World Series é essencial, pela experiência que permitirá, para a esperança de um bom comportamento desportivo nessa prova. Por outro lado, com a visão colocada nos Jogos Olímpicos de 2016, a continuidade da presença no World Series é decisiva: não é crível a hipótese de qualificação sem jogar ao mais alto nível. Porque faltará a experiência, o ritmo, a adaptação, a confiança. Há assim, para jogadores e técnicos, uma responsabilidade acrescida que exige uma atenção particular.

Que fazer então perante esta situação? Fazer como mandam as regras para os campeões: quando as coisas não correm bem, a solução está em voltar - técnica e tácticamente - à prática das noções básicas.

O que exige a inteligência da humildade dos intervenientes.

Nota: Neste World Series australiano houve uma novidade: a colocação - pela segunda vez, creio - de uma marca comercial na camisola das selecções da Nova Zelândia. Circunstância que terá sido aproveitada pela federação neozelandesa para autorizar a utilização do nome All-Blacks - até aqui destinado apenas à selecção principal - pela selecção de se7e que passa a designar-se como All-Blacks Sevens. Esta extensão da designação, a não ser que seja uma imposição contratual, terá concerteza o objectivo da presença da marca - a mais importante marca do rugby mundial - nos Jogos Olímpicos de 2006. Independentemente das razões, gostaria de pensar que se trata de uma excelente homenagem ao eterno e notável treinador Gordon Tietjens que, mais do que ninguém e pelo trabalho realizado em prol do rugby neozelandês, terá direito ao uso do título All-Black.



sábado, 13 de outubro de 2012

O RETORNO DE UM HISTÓRICO

O Sporting Clube de Portugal voltou ao rugby. Hoje, 13 de Outubro e 48 anos depois de um último jogo na final da Taça de Portugal de 1964 contra o Belenenses, o XV do Sporting apresentou-se, no campo 2 do Estádio Universitário de Lisboa, para disputar, contra o Técnico B, o jogo da primeira jornada do campeonato da II divisão que venceu, marcando o seu primeiro ensaio aos 35 minutos (13:05 horas) da 1ª parte.

Este retorno do Sporting é bom - por razões tão óbvias que me dispenso de as referir - para o rugby português. O voto aqui fica: que possa corresponder às expectativas que a sua presença provoca.



quarta-feira, 10 de outubro de 2012

ATAQUES EM 1ª FASE

The creative coach invites his players to make mistakes. Adventure and error go together. Carwyn James, treinador


Fico sempre admirado quando vejo espanto por uso eficaz de ataques em 1ª fase. Seja de uma formação-ordenada ou de um alinhamento ouve-se sempre: impossível! grande erro defensivo! se não mesmo, frango defensivo!. Não penso que assim seja, tão pouco que haja demérito defensivo mas, na maioria dos casos, mérito ofensivo pelas técnicas utilizadas e coragem de enfrentar riscos.

Vejamos: fala-se de 1ª fase quando se trata de um reinício de jogo - no caso e normalmente quando se realizam formações-ordenadas ou alinhamentos. E que significam tacticamente estas formações? uma mão-beijada de um trunfo que procuramos durante grande parte do jogo: a concentração de jogadores. Ou seja, sem grande trabalho e sem grande dispêndio de energia, as Leis do Jogo oferecem-nos uma concentração, em área localizada do terreno-de-jogo, de um grupo de 18 jogadores - formação ordenada - ou entre oito até aos mesmos dezoito - alinhamento - deixando o restante espaço à imaginação e capacidade de 6 atacantes contra outros seis defensores. Não é um bónus?

Há anos (bastantes já...) um dos responsáveis de um dos curso que frequentei em Inglaterra definia o rugby como "um jogo de concentrações e dispersões". Aplicando à situação de primeira fase, pode dizer-se que à concentração da FO, ou do alinhamento, deve corresponder uma dispersão das linhas atrasadas - garantindo, pela exploração da largura, que existem intervalos e espaço de manobra suficientes na defesa adversária.

Ora este conforto de que dão mostras é uma questão de treino: treino dos gestos, treino das técnicas, treino do apoio, treino da continuidade, treino da atitude. Mas passa também pela tremenda atitude dos seus responsáveis que sabem que o ataque exige a capacidade e a liberdade de correr riscos e tomar decisões - tal como o grande treinador galês Carwyn James, citado no início, o sabia.

O ataque é a base do jogo de rugby - por isso se define Avançar sempre! como o seu primeiro princípio estratégico fundamental. Se fosse a defesa a sua base de jogo, a primeira preocupação seria, provavelmente, Aguentar! E não é! Para além de que a posse da bola, se utilizada competentemente, dá uma maior vantagem temporal - só a equipa que a usa sabe o que vai fazer, os defensores apenas tentam adivinhar... - que pode criar nos defensores uma constância de Cisnes Negros desvastadores.

Claro que uma equipa para ser de bom nível tem que saber defender. E bem! Mas não faz disso a essência do seu jogo. Citando Pierre Villepreux: a defesa não é um fim em si mesmo mas a base de uma estratégia que visa recuperar a bola para a utilizar ofensivamente.

... e não há equipa que consiga grande resultados desportivos quando assenta o seu jogo e a sua atitude numa estratégia defensiva. Como se diz popularmente, o ataque é sempre a melhor defesa e embora seja mais difícil treinar as capacidades atacantes de uma equipa e mais longo o trajecto da sua eficácia, é o ataque que faz do jogo a alegria que lhe reconhecemos. Ataquemos então!

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