terça-feira, 31 de dezembro de 2013

DOS ALL-BLACKS À TAÇA AMÉRICA



Neste ano de 2013 o acontecimento rugbístico a relembrar - para além de alguns dos seus jogos que devem fazer parte da caixa das memórias - foi a totalidade de vitórias -14/14 - em todos os jogos disputados pelos All-Blacks e onde defrontaram outras das melhores equipas do mundo. Marca muito difícil, se não impossível, de igualar, este conjunto de vitórias estabelece-se como uma marca de notável registo.
E não foram só as vitórias mas a classe de jogo com que foram construídas - quem não se lembra do espantoso esforço dos predadores irlandeses que entregaram o jogo por já não haver uma molécula de oxigénio no cérebro de cada um. Exaustão em dez minutos que não permitiram raciocínios elementares e conhecidos por - parece... - qualquer equipa junior decente.
Mas impressionante e abrindo a curiosidade ao "como é que o fazem? como chegam lá?" é o seu nível de desempenho e execução das técnicas de base. Passes de todas as formas e feitios numa total confiança que permite correr todos os riscos, jogo ao pé adaptado e adequado à situação, olhos a ver adversários e companheiros, ataque a intervalos, obrigando ao desequilíbrio das defesas adversárias, "off-loads" que desenvincilham o jogo "entre-linhas" e lançam companheiros contra uma terçeira-cortina de cobertura desesperada. E o apoio? Que dizer dessa forma de se organizarem em células activas onde todos e cada um têm a mesma leitura da situação que se apresenta face à organização defensiva. Lêr, comunicar e adaptar para impôr o mais forte sobre o fraco do adversário, numa cascata de decisões que impõe ritmos e mudanças, respeito por princípios e companheiros, respeito pelos valores que a camisola representa, espírito colectivo, conhecimento profundo do jogo. Um tratado.



Apesar do nível e do agrado com que sempre vi os All-Blacks considero, no entanto, que o momento desportivo do ano 2013 foi a vitória do Oracle americano sobre o Emirates neozelandês na Taça América. Para além do espectáculo extraordinário que é o deslizar, num quase voar baixinho de insecto aquático, sobre a água empurradas por aquelas asas do tamanho de court de ténis, da detecção das estratégias e tácticas que cada skipper transporta para evitar erros próprios e provocar erros ao adversário - e um, ligeiro, mínimo, bastou para decidir a última regata da vitória - ou os equilíbrios instáveis de apoios imperceptíveis a velocidades, quantas vezes, de mais de 50 Km/h. 
Os americanos (enfim, nenhum será americano, apenas tripulavam um barco americano...) do Oracle estiveram a perder por 8-1 (seria 8-3 mas uma penalização retirou-lhes duas vitórias) numa disputa ao melhor de 17 regatas. Venceram 9-8 com os neozelandeses impotentes, apesar dos seus apoiantes não se cansarem de apontar "One more! Only one more!", com o trabalho de transformação realizado do lado americano e que todos os dias mostrava ganhar mais velocidade. Se os tripulantes do Oracle mostraram durante toda a prova a necessária cabeça-fria para as grandes decisões e sem que a sua confiança, embora a um passo do precipício, diminuísse a capacidade do seu rendimento desportivo, a equipa de terra - esses desconhecidos do grande público - teve um trabalho de absoluta excelência numa curva exponencial de aprendizagem do barco que superou as mais optimistas espectativas.
A vitória, no rés-vés da última regata, deveu-se à conjugação simultânea de factores de primordial importância no rendimento desportivo: a construção de uma equipa coesa - substituindo quando necessário - com grande espírito colectivo, com um comando de antes quebrar que torcer e incapaz de admitir outro resultado para além da vitória; uma equipa de terra, conhecedora, inovadora e capaz de, com o saber das engenharias e tecnologias necessárias, optimizar, superando sem margem para dúvidas, um barco de idêntica aparência; uma organização a não deixar rigorosamente nada ao acaso e a tirar todo o partido do importante - aqui mais do que noutros desportos - factor-casa a que se juntou um conhecimento perfeito do campo de regatas.
Os neozelandeses viram, impotentes para seguirem os avanços transformadores adversários, fugir-lhes a vitória pelo meio dos dedos. Mas tudo fizeram para encontrar a ponta do novelo que os levasse a cortar a linha em primeiro. Uma prova desportiva, levada ao limite competitivo e a definir-se no espaço da glória aos vencedores, honra aos vencidos.
Um espectáculo desportivo notável, quiçá o melhor de 2013.

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